domingo, 28 de agosto de 2011

Passos para o Discernimento Vocacional



O que Deus propõe que eu faça na vida?
Esta é uma pergunta que abre caminho para um discernimento vocacional: Qual a vontade de Deus na minha vida? Sem muita teoria, vamos direto ao assunto. Como? Por “um estudo de caso”.

Assim imaginemos que “eu” tenha de ajudar um jovem que deseja saber se tem ou não vocação para o casamento, para a vida consagrada pelos votos ou para o sacerdócio. Esse é, portanto, um exercício do ponto de vista do acompanhante (ou agente) vocacional.

(Também aquele que está fazendo seu próprio processo de discernimento vocacional pode identificar-se nesses passos. Contudo, todo discernimento, inclusive o vocacional, deve sempre contar com a ajuda amiga de alguém “experimentado nas coisas de Deus” e capas de ajudar a enxergar melhor “suas marcas” em nossa vida!)

Começaremos com uma constatação de Santo Inácio de Loyola: Muitos, no entanto, escolhem primeiro casar-se – o que é meio – e, em segundo lugar, servir a Deus no casamento – o que é fim.

Há também muitos outros que querem, primeiramente, ter posições rendosas, e, depois, servir a Deus nelas. Deste modo, eles não vão diretamente a Deus, mas querem que Deus venha diretamente às suas afeições desordenadas. Por conseguinte, fazem do fim, meio, e do meio, fim. Assim, o que deviam ter como primeiro, colocam em último. Devemos ter, porém, como primeiro, servir a Deus (...). Assim nada me deve mover a tomar tais meios ou deles privar-me, a não ser apenas o serviço e louvor de Deus nosso Senhor e minha salvação eterna [Exercícios Espirituais, 169].

Assim, aqui está o 1º. passo que devo dar, como orientador: conversar, ouvir e sondar para perceber se há um desejo saudável de conhecer a vontade de Deus a respeito da decisão, ou, pelo contrário, se a pessoa quer – talvez inconscientemente – que Deus se decida por aquilo que ela acha interessante para si mesma.

O 2º. passo é olhar para dentro de mim mesmo (“eu”, o orientador): se um jovem, por exemplo, me procura dizendo que quer saber a vontade de Deus a seu respeito, já penso: Tomara que seja casar? Ou: Tomara que seja padre, ou irmão ou frei? Não é por aí! Devo querer apenas que a pessoa descubra o que Deus lhe põe no coração e se anime a seguir adiante no estado de vida que lhe foi inspirado. Santo Inácio não admite que eu falseie o peso e a medida, pondo-me a favor ou contra alguma possível escolha.

Possível escolha? Aí vem o 3º. passo: num ambiente de saudável realismo, que devo procurar garantir, é muito importante ter em conta que nenhuma vocação autenticamente cristã, pode estar fora dos limites indicados pela Igreja. Com o convívio e a conversa, é relativamente fácil notar um problema nesta área e fornecer elementos para que, suavemente, sem violência, a pessoa cresça em maturidade cristã, segundo o Espírito do Bom Pastor, que nunca desprezou nenhuma ovelha perdida e a todas chama.

Disto surge uma primeira atitude importante: a pessoa a quem quero ajudar tem comportamentos pouco cristãos? Age contra a justiça, contra a caridade, contra a vida, enfim, contra os mandamentos? Se sim, a primeira coisa a empreender é, apoiando-se nos bons desejos que Deus lhe dá, ensiná-la a examinar-se, a fazer um processo de conversão, dar-lhe a perceber que os dez mandamentos são positivos, libertando a nossa humanidade de “desmandos”, de “desumanizações”.

Nessa fase, como em qualquer outra, a visita e o socorro ao pobre e desvalido, bem como a inserção num grupo de serviço voluntário, só podem ser benéficos.

Mas se a pessoa já vive uma vida cristã: o que fazer? Procuro observar um segundo ponto: é uma pessoa “boazinha”, tipo camaleão, que assume a cor do ambiente, sempre desejosa de agradar, de não contrariar?

Pessoas assim muitas vezes iludem. São tão amáveis, dispostas, cooperadoras, que nem percebemos sua carência, seu desejo inconsciente de ser elogiadas, mimadas, protegidas. Estão na rota do fracasso em qualquer caminho que decidirem tomar. São ainda muito “verdes”, muito imaturas, muito centradas em si mesmas, na satisfação de suas carências afetivas.

Então é preciso paciência, esperança, respeito e atenção.

Finalmente, fechemos esse “começo de conversa” com uma observação a respeito dos muito entusiasmados e apressados. Se a pessoa estiver muito entusiasmada, também é preciso dar tempo ao tempo: (Quem acompanha) ao ver que (o/a acompanhado/a) anda consolado/a e com muito fervor, previna-o para não fazer promessa nem nenhum voto inconsiderado e precipitado... [EE 14]. Nada de decisões tomadas sem que elas sejam submetidas a uma observação serena, em que Deus seja buscado em primeiro lugar. Como diz a canção: Que nenhuma família comece em qualquer de repente!

O 4º. passo será, portanto, que eu apresente claramente ao candidato o que nosso Bom Deus quer para a humanidade. Aí vem o anúncio do Reino! (cf. Mt 10,7). Com ajuda do próprio Jesus, no seu Evangelho, vou “dando corda” à pessoa que discerne. Se ela não tem um jeito de rezar diante de uma passagem das Escrituras, vou precisar que ela aprenda algum tipo de leitura orante, de meditação ou contemplação.

O jogo das pedrinhas pode ser útil, a esta altura, quando o recurso ao Evangelho e aos gestos e palavras do Mestre é imprescindível. Chamo jogo das pedrinhas a uma leitura orante simples e saborosa:

Ponho-se na presença de Deus, pacifico-me de algum modo (quem sabe repetindo de mim para mim um refrão) e suplico a graça de bem rezar. Depois, leio (ou lembro de) um versículo. Deixo ele cair, como uma pedrinha, “lá no fundo, lá na água vida do meu Batismo, lá, onde habita o Espírito”, no santuário de mim mesmo. Ouço o ruído. Vejo os brilhos. O que ressoa. O que fulgura. E rezo o que me ocorrer diante do que me lembro, ou sinto, ou penso. Meu Pai, que vê o que faço em segredo, há de me dar a recompensa (Mt 6,6)

Para ajudar a memória, é preciso pedir ao acompanhado que anote fielmente o que foi mais importante na oração de cada dia (uma ou duas coisas só, com brevidade!), para vir partilhar bem concretamente o que o consolou e o que o desolou. Neste contraste, prestando atenção à linha das consolações, teremos clareza, eu e ele, de por onde o Espírito está soprando. São as marcas de Deus na vida desse nosso amigo...

Mas não é tão fácil reconhecer a Jesus e ao seu Reino. Simão Pedro, Tiago e João que o digam! Há quem pense que abraça a causa de Jesus – que é um projeto de vida plena para todo ser humano – mas, no fundo, abraça só a própria causa...

Por isso mesmo, o 5º. passo será que, enquanto a pessoa que discerne sua vocação vai vivendo sua vida diária e examinando-se, adquira, como horizonte e perspectiva, a vida, paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ler tão-somente a própria vida é privar-se de referência. Reler a vida, enquanto relê – na oração – a vida de Jesus produz clareza quanto ao caminho a seguir, a melhor escolha a fazer.

Chegado o momento da eleição ou reforma de vida, nos colocamos no 6º. passo. Nesse momento vale a pena insistir numa coisa: confiemos nos pensamentos que surgem no seio da consolação (não tanto nos que vêm depois!) e “reciclemos”, na oração, os que surgem na desolação, confiando-os ao Coração do Senhor, até que venha a próxima claridade. Deus age e chama através das marcas que vai deixando em nossa vida...

O 7º. passo é o momento da confirmação: pensando na própria decisão de vida, é hora de pedir que o Espírito Consolador confirme os bons desejos e propósitos. É tempo de entrar na leitura orante ou contemplação da Paixão e Morte de Cruz. É hora de confrontar os meus projetos à luz do projeto de Jesus, projeto de amor aos pequenos que incomodou os grandes, e por isso teve como conseqüência a cruz...

É o momento de verificar, em oração, qual a minha disponibilidade para o serviço, para o amor-doação. Sem essa condição é impossível ser verdadeiramente discípulo de Jesus (cf. Jo 13,1-17).

Por isso a participação em alguma comunidade eclesial é fundamental para ajudar a entender a própria vocação. Na comunidade “afinamos nosso coração” para a necessidade do irmão e da irmã, de modo especialíssimo aqueles que não têm voz nem vez na sociedade (cf. Mt 25, 31-46).

Desse modo, aberto às necessidades do mundo e dos irmãos e irmãs, poderemos encontrar nossa verdadeira vocação cristã no casamento, na vida consagrada pelos votos ou no sacerdócio ministerial!

Esse artigo é uma síntese do capítulo IX de R. PAIVA, SJ. O Discernimento: pessoal, em família, em comunidade e vocacional. 2ª. ed. São Paulo: Loyola, 2000.

Fonte: http://www.lanteri.org.br/htm/paspaodivo.htm

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