terça-feira, 15 de novembro de 2011

Divorciados e Recasados-D. Estevão Bettencourt, osb.

Divorciados e Recasados
D. Estevão Bettencourt, osb.
DIVORCIADOS E RECASADOS

Em síntese: O Código de Direito Canônico promulgado em 1917 era muito severo em relação aos fiéis católicos divorciados e recasados, por viverem em situação religiosamente irregular.
A partir do Concílio do Vaticano II, a Igreja, sem retocar a lei divina que proclama a indissolubilidade de um matrimônio validamente contraído e consumado, procura estimular tais fiéis a não se afastarem do convívio da comunidade católica; procurem, antes, tomar parte em atividades da paróquia compatíveis com o seu estado; rezem e tudo façam para educar os filhos na fé católica. É claro, porém, que não podem ter acesso à Comunhão Eucarística, pois esta supõe o estado de graça, que a situação conjugal desses fiéis exclui. O artigo abaixo enuncia minuciosamente os itens que definem a posição dos divorciados recasados frente à Igreja e examina as objeções levantadas contra a praxe da Igreja.

A situação dos fiéis católicos divorciados e recasados constitui um dos mais graves problemas da Igreja em nossos dias. Sempre houve dificuldade de desarmonia conjugal. Eis, porém, que atualmente se tornam mais prementes, pois se têm multiplicado os casos. A Igreja está atenta a tais situações e vem acompanhando os cônjuges infelizes com especial zelo pastoral. A seguir, serão propostas 1) as principais intervenções do Magistério neste particular; 2) os elementos essenciais da doutrina católica; 3) as críticas levantadas contra essa doutrina e as respostas a lhes ser dadas.

1. Os recentes Pronunciamentos do Magistério.
Nas décadas de 1960 e 1970 o divórcio foi legalizado em vários países de população católica em sua maioria, o que tornou candente o problema dos fiéis divorciados e recasados. O Direito Canônico promulgado em 1917 e ainda vigente na época considerava tais cristãos como pecadores públicos (cânon 2356, § 1º), privados dos sacramentos da Penitência e da Eucaristia, enquanto vivessem conjugalmente.

Verdade é que já então se faziam ouvir vozes de clérigos, principalmente nos Estados Unidos, que julgavam demasiado severa tal legislação: lembravam a diversidade das situações e, principalmente, o caso daqueles cônjuges divorciados recasados que tinham dúvidas fundadas a respeito da validade de sua primeira união, mas não podiam apresentar provas suficientes para iniciar um processo de declaração de nulidade. Havia também quem adotasse uma solução de foro meramente interno, afirmando que, em certos casos e sob certas condições, o confessor poderia autorizar os divorciados a receber os sacramentos da Penitência e da Eucaristia.

Diante destes fatos, a Congregação para a Doutrina da Fé enviou, aos 11/4/1973, uma Carta a cada Bispo, reafirmando a indissolubilidade do matrimônio sacramental. Quanto ao problema dos que vivessem em situação irregular, pedia que se observasse a doutrina vigente e lembrava "o possível recurso à praxe da Igreja no foro interno". Tal Carta tinha por objetivo defender a indissolubilidade do matrimônio, ameaçada por vários lados. Mas a expressão "recurso à praxe da Igreja no foro interno" se prestava a interpretações diversas.

A Congregação para a Doutrina da Fé entendia-se no sentido de que os divorciados recasados se poderiam aproximar dos sacramentos desde que passassem a viver como irmão e irmã e evitassem qualquer escândalo. Todavia não foi assim que muitos interpretaram os dizeres da Igreja: julgavam que os fiéis recasados poderiam receber os sacramentos mesmo mantendo sua união conjugal ilegítima; colocavam também o problema daqueles que estavam subjetivamente convictos da nulidade da sua união precedente.

Esses questionamentos vieram à tona no Sínodo Mundial dos Bispos realizado em 1980. Como fruto das reflexões ocorrentes nessa assembléia, o Santo Padre João Paulo II, aos 22 de novembro de 1981, assinou a Exortação Apostólica Familiaris Consortio, que traçava diretrizes a ser observadas no tocante ao sacramento do matrimônio, inclusive com referência aos divorciados recasados. Em 1983 foi promulgado o novo Código de Direito Canônico, que confirmou a praxe vigente: não se admitam à Comunhão Eucarística os fiéis divorciados recasados (cânon 915; o mesmo vale para os católicos de rito oriental, conforme o Direito respectivo, cânon 712).

O Código de 1983 atribui exclusivamente aos tribunais eclesiásticos a competência para examinar a validade do matrimônio dos católicos como também estipula novos impedimentos que tornam nulo o casamento sacramental. Tais impedimentos levam em conta a incapacidade psicológica, que afeta não poucos indivíduos, de assumir uma vida a dois em caráter vitalício; são aí considerados os diversos casos que ajudam a compreender a crise e a angústia de muitos casais. Apesar das explícitas declarações de Familiaris Consortio, do Catecismo da Igreja Católica (nº 1650s) e documentos congêneres, havia na Igreja quem estimulasse os divorciados recasados a receber a Comunhão Eucarística, principalmente quando levassem vida fiel à sua nova união.

Em 1993, os Bispos da Província Eclesiástica do Alto Reno (Alemanha) publicaram uma Carta Pastoral a respeito do acompanhamento pastoral de pessoas infelizes em seu casamento, divorciadas e divorciadas recasadas. Essa Carta reafirmava a indissolubilidade do matrimônio frente a certa insegurança e hesitação existente em algumas paróquias, mas admitia que em certos casos se poderia dar a Comunhão Eucarística a divorciados recasados que em sua consciência se julgassem aptos e para tanto obtivessem o parecer favorável de um sacerdote prudente e experimentado.

Tal atitude dos três Bispos mencionados encontrou cá e lá ecos positivos, mas suscitou outrossim a réplica de muitos prelados e organismos da Cúria Romana que pediram à Congregação para a Doutrina da Fé uma tomada de posição. Outras vozes, porém, pediam a abolição das normas vigentes, em favor de maior liberalização; assim, por exemplo, alguns propunham que dos fiéis divorciados e recasados se exigisse um período de reflexão e penitência, após o qual seriam readmitidos aos sacramentos em geral. Outros ainda proclamavam que se deixasse a decisão à consciência dos interessados ou dos sacerdotes.

Diante deste cruzamento de sentenças, a Congregação para a Doutrina da Fé houve por bem publicar uma Carta aos Bispos sobre a recepção da Comunhão Eucarística por parte dos fiéis divorciados e recasados, com a data de 14/9/94. Tal documento reafirmava as normas clássicas da Igreja para o caso. Vejamos agora:

2. Os Pontos Essenciais da Doutrina Católica.

Pode-se compendiar em sete pontos a doutrina católica concernente ao assunto.
1) Os fiéis divorciados recasados estão em situação que contrasta com o Evangelho.
Basta lembrar a palavra de Jesus em Mc 10,11s:
"Quem repudia a sua mulher e desposa outra, comete adultério contra ela; se a mulher repudia o marido e desposa outro homem, comete adultério".

Em conseqüência, a Igreja afirma que ninguém, nem mesmo o Papa, tem o poder de declarar nulo um matrimônio validamente contraído e consumado. Aliás, a própria lei natural, impregnada no íntimo de cada ser humano, rejeita o divórcio, isto é, a dissolução do casamento com direito a novas núpcias. Do divórcio se distingue a separação conjugal, que pode ser legítima, quando a vida matrimonial se torna muito difícil ou insustentável.

2) Os fiéis divorciados e recasados continuam sendo membros da Igreja dentro da comunidade eclesial e devem experimental o amor de Cristo e o acompanhamento materno da Igreja.
As segundas núpcias de pessoas divorciadas privam da Comunhão Eucarística, mas não acarretam a excomunhão. Esta é uma pena jurídica, de foro externo, e prova, de modo geral, da comunhão com a Igreja e não apenas priva da Eucaristia. A solicitude materna da Igreja deve estender"se a todos os filhos, inclusive aos que vivem em situação irregular. A Igreja é chamada a procurar promover a salvação de todos. Daí as palavras de João Paulo II:

"A Igreja não pode abandonar aqueles que, ligados pelo vínculo matrimonial sacramental, passam a novas núpcias. Por isto Ela se esforçará incansavelmente por colocar à sua disposição os meios de salvação". (Familiaris Consortio, nº 84). Não somente os sacerdotes, mas também os fiéis leigos ou toda a Igreja têm a obrigação de procurar fazer que os irmãos de vida irregular não se considerem separados da Igreja: "A Igreja reze por eles, estimule-os, mostre-se Mãe misericordiosa e assim os sustente na fé e na esperança" (ibid. nº 84).

Leve-se em conta que há diversas situações de cristãos divorciados recasados : existem aqueles que passaram a novas núpcias depois de haver tentado todos os meios possível para salvar seu casamento, e existem aqueles que culpadamente destruíram seu matrimônio. Existem aqueles que contraíram novas núpcias em vista da educação dos filhos e, no momento, não se podem separar. Existem também os que se recasaram porque, em consciência, julgavam ter sido nulo o primeiro casamento (embora não pudessem provar a nulidade). Por fim, há também aqueles que em sua nova união descobriram os valores da fé e perfazem uma caminhada religiosa de grande significado; cf. Familiaris Consortio nº 84.

3) Na qualidade de cristãos batizados, os fiéis divorciados recasados são chamados a tomar parte ativa na vida da Igreja na medida em que isto seja compatível com a sua situação dentro da Igreja.
"Juntamente com o Sínodo, exorto vivamente os pastores e a inteira comunidade dos fiéis a ajudar os divorciados, promovendo com caridade solícita que eles não se considerem separados da Igreja, podendo e, melhor, devendo, enquanto batizados, participar na sua vida. Sejam exortados a ouvir a Palavra de Deus a freqüentar o Sacrifício da Missa, a perseverar na oração, a incrementar as obras de caridade e as iniciativas da comunidade em favor da justiça, a educar os filhos na fé cristã, a cultivar o espírito e as obras de penitência para assim implorarem, dia a dia, a graça de Deus. Reze por eles a igreja, encoraje-os, mostre-se mão misericordiosa e sustente-os na fé e na esperança" (Familiaris Consortio nº 84).

A pertença à Igreja não se manifesta apenas na frequentação da Comunhão Eucarística. Existem várias possibilidades de participar da vida da Igreja no campo extra sacramental.
4) Em virtude da sua situação irregular, os fiéis divorciados recasados não podem exercer certas funções na comunidade católica.
Tais funções seriam, entre outras, a de padrinho ou madrinha do Batismo e da Crisma, pois tal tarefa implica dar testemunho e vivência católica aos afilhados, que necessitam de ver concretamente a fidelidade dos mais velhos.

Eis outras funções excluídas: a de ministros extraordinários na Liturgia, a de catequista, a de membro do Conselho Pastoral, pois tais encargos exigem lúcido testemunho de vida católica; são funções de certo relevo, que não podem ser entregues aos que não vivem integralmente segundo o Evangelho, pois isto poderia suscitar confusão no povo de Deus. Estas restrições não implicam injusta discriminação, mas são conseqüências naturais
da situação em que se acham os fiéis divorciados recasados.

5) Desde que os divorciados recasados deixem seu estado irregular, separando-se ou vivendo em plena continência, podem ser readmitidos aos sacramentos.
Para receber o sacramento da Reconciliação, que no caso é a única via para a Comunhão Eucarística, requer-se que o fiel faça o propósito de não tornar à vida irregular. Isto implica que o(a) penitente se separe do(a) ilegítimo(a) consorte ou, caso não seja possível (por causa dos filhos ou por outras razões), deixe de ter relações sexuais; cf. Familiaris Consortio nº 84. No caso de voltarem aos sacramentos, os dois interessados deverão procurar evitar mal entendidos ou escândalos por parte do povo de Deus.

6) Os divorciados recasados que estão convictos da nulidade de seu precedente casamento, devem regularizar sua situação por vias de foro externo, ou seja, por vias jurídicas.
O casamento é uma realidade pública que afeta tanto a Igreja quanto a sociedade civil. Por isto o consentimento matrimonial não é um ato meramente privado, mas cria uma situação de caráter social. Por isto não compete à consciência de cada um julgar, na base de suas convicções, se o respectivo casamento foi válido ou não e daí tirar conclusões de ordem pública e prática, contraindo novas núpcias.
Por isto a experiência da Igreja atribui aos tribunais eclesiásticos o exame da validade dos casamentos dos fiéis
católicos.

7) Os divorciados recasados nunca perdem a esperança de obter a salvação eterna.
Diz Papa João Paulo II em Familiaris Consortio nº 84:
"Com firme confiança a Igreja crê que mesmo aqueles que se afastaram dos mandamentos do Senhor e vivem atualmente nesse estado, poderão obter de Deus a graça da conversão e da salvação, se perseverarem na oração, na penitência e na caridade".

Embora não possa aprovar formas de vida contrastantes com a Palavra do Evangelho, a Igreja não deixa de amar seus filhos em situação matrimonial irregular. Ela compreende seus sofrimentos e dificuldades e acompanha-os com ânimo materno, procurando fortalecê-los na fé e incutir-lhes a confiança na misericórdia de Deus, que tem amplos recursos para levar os homens à salvação eterna.
Faz-se oportuno agora examinar as principais críticas levantadas contra a doutrina da Igreja.

3. As Críticas
São sete as principais objeções levantadas contra a doutrina da Igreja.
1) A Escritura permite flexibilidade.
Há quem aponte os textos de Mt 5,32 e 19,9, em que Jesus parece abrir uma exceção em favor de separação e novas núpcias. Eis os dizeres do Senhor :
"Eu vos digo: todo aquele que repudia a sua mulher, a não ser por motivo de pornéia1, faz com que ela adultere e aquele que se casa com a repudiada comete adultério" (Mt 5,32, idêntico a Mt 19,9).
A propósito, note-se quanto segue:

Consta dos textos do Novo Testamento que o matrimônio é indissolúvel, como se depreende das citações seguintes:
Mc 10,11s: Disse Jesus: "Todo aquele que repudia a sua mulher e desposa outra, cometerá adultério contra a primeira; e, se essa repudiar o seu marido e desposar outro cometerá adultério".
Lc 16,18: "Todo aquele que repudiar a sua mulher e desposar outra, comete adultério; e quem desposar uma repudiada por seu marido, cometerá adultério".
1Cor 7,10: "Quanto àqueles que estão casados, ordeno não eu, mas o Senhor: a mulher não se separe do marido; se, porém, se separar, não se case de novo ou reconcilie-se com o marido; e o marido não repudie a esposa".

Rm 7,2s: "A mulher casada está ligada por lei ao marido enquanto ele vive; se o marido vier a falecer, ela ficará livre da lei do marido. Por isso, estando vivo o marido, ela será chamada adúltera se for viver com outro homem. Se, porém, o marido morrer, ela ficará livre da lei, de sorte, que, passando a ser de outro homem, não será adúltera".
Como se vê, as afirmações são peremptórias.

Verdade é que as passagens de Mt 5,32 e 19,9 são interpretadas pelos cristãos cismáticos do Oriente e pelos protestantes como se autorizassem o divórcio em caso de adultério. Verifica-se, porém, que tal interpretação não condiz com os textos paralelos de Mc 10,11s e Lc 16,18, em que Jesus ensina irrestritamente a indissolubilidade do matrimônio (omitida a cláusula de adultério); supõe, além disto, haja São Paulo ordenado em nome do Senhor o contrário do que o Senhor mesmo preceituou.

Já estas considerações tomam a interpretação divorcista dos textos de Mt assaz suspeita, se não impossível; o Evangelho tem que ser explicado pelo Evangelho e pela Escritura Sagrada em geral. Ora não resta dúvida de que S. Marcos, S. Lucas e S. Paulo nos transmitem a genuína mente do Senhor.
Por conseguinte, como entender os textos de Mt 5 e 19?
A interpretação mais provável é a seguinte:

Baseados sobre erudito aparato de filologia bíblica e extrabíblica assim como de jurisprudência rabínica, os estudiosos concluem que o termo grego pornéia corresponde ao termo aramaico zenut, que significa união incestuosa. No caso, compreende-se que a separação seja não somente tolerável, mas desejável. Jesus ter-se-ia a zenut, pois este termo significa a união ilegítima, por motivo de parentesco proibido pela Lei de Moisés (cf. Lv 18, 1-24).

É de crer que nas antigas comunidades cristãs houvesse uniões matrimoniais proibidas pela Lei de Moisés, mas toleradas pelos cristãos provenientes do paganismo; estas uniões deveriam causar dificuldades à boa convivência de cristãos provenientes do judaísmo e do paganismo. Daí a ordem autenticamente atribuída a Jesus, de romper tais uniões irregulares, que não eram senão falsos casamentos.

Em At 15, 20,29;21,25 lê-se que os cristãos provenientes do paganismo tendiam a tolerar algumas uniões matrimoniais que Lv 18 julgava ilícitas. Ora isto escandalizava os judeocristãos; por isto o decreto dos Apóstolos no fim do Concílio de Jerusalém em 50 assim rezava:

"Os Apóstolos e os anciãos, vossos irmãos, aos irmãos dentre os gentios que moram em Antioquia, na Síria e na Cilícia, saudações! ... Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor nenhum outro peso além destas coisas necessárias: que vos abtenhais das carnes imoladas aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas e das uniões ilegítimas. Fareis bem preservando-vos de tais coisas. Passai bem" (At 15,23,28s). Ver At 21,25.
Isto quer dizer que os cristãos provenientes do paganismo estariam dispensados de observar a Lei de Moisés, mas, para manter a boa paz com seus irmãos judeocristãos, deveriam observar as quatro cláusulas discriminadas, entre as quais a abstenção de pornéia ou das uniões conjugais que a Lei de Moisés tinha como ilícitas.

2) A tradição dos Padres (ou antigos escritores) da Igreja justifica uma praxe menos severa.
Alega-se que os Padres da Igreja, embora sustentassem o princípio geral da indissolubilidade, toleraram exceções de acordo com as modalidades de cada caso. Em resposta, deve-se notar que as declarações dos Padres que parecem reconhecer um segundo matrimônio em certos casos, são poucas, de modo que não perfazem uma convergência doutrinária. Por isto não podem ser tomadas como critério determinante para a doutrina e a disciplina da Igreja. Nenhum Bispo e nenhum escritor da Igreja antiga autorizou, na base de Mt 5,32, um homem a casar-se de novo após adultério cometido pela esposa. De modo geral, os textos que parecem abrir exceções ao princípio da indissolubilidade conjugal na base de Mt 5,32, são passagens obscuras e imprecisas, que podem ser interpretadas de maneiras diferentes.

3) A Igreja Ortodoxa Oriental aceita o divórcio.
Com efeito; as comunidades orientais separadas da Igreja Católica, em certos casos e após certo tempo de penitência, admitem segundas e, às vezes, terceiras núpcias.
Em resposta, a Igreja Católica não vê fundamento nem na Bíblia nem na Tradição para se adequar à praxe dos cristãos ortodoxos orientais. Além do quê, há historiadores que julgam que a praxe oriental pode decorrer da dependência dos cristãos ortodoxos em relação ao Imperador bizantino.

4) Aceite-se a afirmação feita em consciência por cônjuges infelizes a respeito da nulidade do seu matrimônio.
Dadas as dificuldades de provar a nulidade no foro externo, a Igreja deveria reconhecer as alegações feitas em consciência pelos cônjuges infelizes. Como dito, o matrimônio é de público interesse, de modo que é contraído publicamente e, quando necessário, é declarado nulo por vias públicas ou por instâncias de foro externo.

O novo Código de Direito Canônico ampliou o número de impedimentos que tornam nulo o casamento, levando em conta especialmente os casos de despreparo ou inépcia psicológica, que freqüentemente são alegados por cônjuges infelizes; tais situações são consideradas com seriedade e objetividade pelos tribunais eclesiásticos, de sorte que se pode crer que não deixa de ser atendida nenhuma petição baseada sobre argumentos de ordem psicológica ou mais íntima. A Santa Sé deseja que haja agilização dos processos, evitando-se a molesta duração dos mesmos.

Também se pleiteia na Igreja mais adequada preparação dos jovens para o casamento, a fim de tentar minorar pela raiz os males decorrentes de casamentos precipitados e levianamente contraídos.

5) O matrimônio morre quando o amor morre.
O matrimônio é um contato entre homem e mulher, por isto tem um aspecto jurídico, que interessa à sociedade. Mas também tem seu lado humano, pessoal, que nem sempre coincide com o aspecto jurídico. Daí pleiteia-se a dissolução do casamento quando o relacionamento humano amoroso perece.
Em resposta, deve-se dizer que não há oposição entre o jurídico e o pessoal do matrimônio. As normas jurídicas, deixadas a sós, podem ser cegas e sufocadoras. Mas também os valores pessoais, subjetivos, deixados a sós, podem ser deletérios ou perturbadores da ordem social. Desde que esteja incorporado numa sociedade, já não me posso reger apenas por meus anseios pessoais e subjetivos, mas tenho que observar normas objetivas que garantem o bem comum, para o qual devo colaborar na medida em que sou membro de tal sociedade.

Por isto não se pode sobrepor o aspecto pessoal subjetivo ao aspecto jurídico. Mas deve-se procurar promover o entrosamento de um e outro. A harmonia entre valores subjetivos e valores objetivos é indispensável em qualquer sociedade ... também na sociedade matrimonial.

6) A Igreja deveria aplicar o princípio da epiquéia ou da dispensa da lei aos casos de matrimônio fracassado.
Existe, de fato, o princípio da epiquéia ou a dispensa (bem ponderada) para todas as leis humanas. O legislador que faz a lei, ou seu delegado, pode dispensar da lei, visto que nenhuma lei humana é capaz de prever todos os casos e situações. Toda lei tem sua letra e tem seu espírito (que é a intenção concebida pelo legislador ao formular a letra da lei);

o espírito da lei pode exigir que se dispense ou se ponha de lado a letra da lei, para que se cumpra o desígnio do legislador encarregado do bem comum. Todavia a indissolubilidade conjugal depende não de lei humana; é de direito divino explicitado pelo Senhor Jesus: "O que Deus uniu, o homem não o separe" (Mc 10,9). Daí não poder a Igreja recorrer à epiquéia para dissolver casamentos válidos, mas infelizes.
7) A linguagem da Igreja é demasiado jurídica e não suficientemente pastoral.

Não se deve estabelecer antítese entre a lei, de um lado, e, de outro lado, a compreensão humana ou pastoral. Está claro que a lei é feita para o homem ou para o bem da pessoa humana; deve promover o ser humano e não o sufocar. É notório, porém, que o bem da pessoa humana nem sempre coincide com a satisfação de suas tendências ou impulsos espontâneos; a natureza humana por vezes tende a certos bens aparentes ou ilusórios, a tal ponto que o Apóstolo São Paulo podia dizer:

"Não faço o bem que eu quero, mas pratico o mal que não quero" (Rm 7,19). Consequentemente a lei de Deus, de que a Igreja é porta voz, coibe certas tendências da natureza humana, entre as quais a de realizar mais de um casamento ou de ter por dissolvido um casamento válido com perspectivas de novas núpcias. A lei, especialmente a lei de Deus, não pode ser adaptada a certas iniciativas pastorais que contradigam frontalmente ao preceito do Senhor. É o que nota o Papa João Paulo II na sua encíclica Veritatis Splendor nº 56:

"Há quem proponha uma espécie de duplo estatuto da verdade moral. Para além do nível doutrinal e abstrato, seria necessário reconhecer a originalidade de uma certa consideração existencial mais concreta. Esta, tendo em conta as circunstâncias e a situação, poderia legitimamente estabelecer exceções à regra geral, permitindo desta forma cumprir praticamente, em boa consciência, aquilo que a lei moral qualifica como intrínsecamente mau.

Deste modo, instala-se, em alguns casos, uma separação, ou até oposição entre a doutrina do preceito válido em geral e a norma da consciência individual, que decidiria, de fato, em última instância, o bem e o mal. Sobre esta base, pretende"se estabelecer a legitimidade de soluções chamadas "pastorais", contrárias aos ensinamentos do Magistério, e justificar uma hermenêutica "criadora", segundo a qual a consciência moral não estaria de modo algum obrigada, em todos os casos, por um preceito negativo particular.

É impossível não ver como, nestas posições, é posta em questão a identidade mesma da consciência moral, face à liberdade do homem e à lei de Deus. Apenas o esclarecimento precedente sobre a relação entre liberdade e lei, apoiada na verdade, torna possível o discernimento acerca desta interpretação "criativa" da consciência.

Além destas observações, faz-se mister ainda lembrar que as normas da Igreja referentes a pessoas divorciadas e recasadas não são apenas jurídicas, mas, sem ceder nos pontos intocáveis, desejam incentivar tais fiéis à esperança e à confiança em Deus; a Igreja os convida a participar de atividades da paróquia e a viverem uma vida de oração assídua, que os alimente na fé e os ajude a educar os filhos segundo os princípios do Evangelho, como dito atrás. Eis o que ocorre observar no tocante à situação dos fiéis divorciados e recasados frente à Igreja. Esta não os quer traumatizar com severidade despropositada, mas deseja vivamente que não percam o ânimo nem se afastem do convívio da comunidade eclesial.

1 A palavra grega pornéia é o cerne da discussão. O seu significado será explanado a seguir.
2 Eis os impedimentos que podem vir ao caso : "Não descobrirás a nudez da irmã de teu pai, pois é a carne de teu pai. Não descobrirás a nudez da irmão de tua mãe, pois é a própria carne de tua mãe. Não descobrirás a nudez do irmão de teu pai; não te aproximarás, pois, de sua esposa, visto que é a mulher de teu tio. Não descobrirás a nudez de tua nora. É a mulher de teu filho e não descobrirás a nudez dela. Não descobrirás a nudez da mulher de teu irmão, pois é a própria nudez de teu irmão! (Lv 18, 12-16).

Fonte: comshalom.org/formacao/especial/defesa_vida/familia/divorciados_e_recasados

Nenhum comentário:

Postar um comentário