quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O Livro do Apocalipse


O Apocalipse foi escrito pelo Apóstolo São João, já no final de sua vida, por volta do ano 100, sob a forma de uma carta escrita às Igrejas da Ásia menor, que viviam tempos difíceis de perseguição romana.

É um livro bastante enigmático e difícil de ser entendido, e que pode gerar muitos erros de interpretação - como já ocorreu muitas vezes na história da Igreja - se não observarmos com cuidado como a Igreja o interpreta.

O imperador romano Domiciano (81-96) moveu forte perseguição aos cristãos, tendo deportado S. João, que era o bispo de Éfeso, para a ilha de Patmos . Ao mesmo tempo os cristãos eram hostilizados pelo judeus e aguardavam a volta de Cristo, que não acontecia, para livrá-los de todos os males.

Foi neste contexto que o Apóstolo escreveu o Apocalipse para confortar e animar os cristãos das já inúmeras comunidades da Ásia Menor.

Apocalipse, em grego "apokálypsis"(= revelação), era um gênero literário que se tornou usual entre os judeus após o exílio da Babilônia (587-535 aC), e descreve os fins dos tempos onde Deus vai julgar os homens. Essa intervenção de Deus abala a natureza (fenômenos cósmicos), com muita simbologia e números.

O Apocalípse não pretende dar uma descrição antecipada dos acontecimentos do futuro, mas de apresentar uma mesma realidade sob vários símbolos diferentes; e tudo é feito com uma linguagem intencionalmente figurada para despertar a atenção do leitor, que estava acostumado ao gênero apocalíptico usado pelos judeus.

Alguns símbolos tem significado preciso: o Cordeiro simboliza o Cristo; a mulher, a Igreja ou a Virgem Maria; o dragão, as forças hostis ao reino de Deus; as duas feras (cap.13), o império romano e o culto imperial; a fera (cap.17), simboliza Nero; Babilônia, a Roma pagã; as vestes brancas, a vitória; o número três e meio, coisa nefasta ou caduca. Mas esses símbolos não são exclusivos; o Cristo é, às vezes representado como "filho do homem"ou  cavaleiro.

O Apocalípse é uma revelação sobrenatural, velada, sob símbolos, representando tanto o passado, quanto o presente da Igreja, e também o futuro. Se refere a um período indefinido que separa a Ascensão de Cristo de sua volta gloriosa. Deixa claro da impossibilidade de escapar à luta e ao sofrimento, às perseguições e ao fracasso aparente no plano terrestre, à realidade da salvação que lhe será concedida no meio de suas obrigações, e à vitória final,  que é obra de Cristo ressuscitado que venceu o pecado e a morte.                  

A mensagem principal do livro é que Deus é o Senhor da História dos homens, e no final haverá a vitória dos justos, em que pese o sofrimento e a morte. Mostra a vida da Igreja na terra como uma contínua luta entre Cristo e Satanás, mas que no final haverá o triunfo definitivo do Reino de Cristo, triunfo que implica na ressurreição dos mortos e renovação da natureza material.

As calamidades que são apresentadas não devem ser interpretadas ao pé da letra. Deus sabe e saberá tirar de todos os sofrimentos da humanidade a vitória final do Bem sobre o Mal.

Textos Difíceis do Apocalipse

Visto que alguns textos do Apocalípse são mais difíceis de serem interpretados, e são  muitas vezes objetos de polêmica, queremos apresentar aqui a interpretação que mais se coaduna com o entendimento da Igreja.Para tal, usamos as explicações dadas por D. Estevão Bettencourt, em sua revista Pergunte e Responderemos (CP: 2666, CEP:20001-970; Rio de Janeiro), a quem agradecemos por poder fazer uso de suas páginas.

O número da Besta (Ap 13, 18)

Aproveitando do simbolismo dos números dos antigos, S. João designou o perseguidor dos cristãos (figurado como uma besta) dizendo que o nome desse homem  tem o valor numérico de 666.

Para os antigos as letras tinham valor numérico, como por exemplo no alfabeto romano (I=1; II=2; V=5; C=100; D=500; M=1000; ...), e a soma dos números correspondentes a cada letra de um nome dava o valor numérico desse nome.

Qual é, então, para o autor sagrado do Apocalipse, o nome cujas letras somadas dão o total de 666?

Note-se que não se deve procurar tal nome entre os latinos ou na história posterior a São João, uma vez que os leitores do Apocalipse estavam na Ásia Menor, e alí se falava o grego e não o latim; e só conheciam os acontecimentos do seu passado e do seu presente. É para esses leitores que S. João queria transmitir uma mensagem, na forma que pudessem compreender.

Portanto, não tem a menor base científica, a hostil e grosseira afirmação de alguns protestantes de que o nosso Papa é a besta do Apocalípse, ou  que na sua tiara está escrito o número 666, já que aí está escrito "Viccarius Filii Dei" (= Vigário do Filho de Deus).

Antes de mais nada é preciso lembrar que nenhum Papa se entitulou de "Vicarius Filii Dei", mas sim de "Servo Servorum Dei". Em segundo lugar, é uma expressão em latim, enquanto o Apocalípse, como já vimos, foi escrito para pessoas que não sabiam esta língua.

Além do mais, o autor do Apocalípse fala do "número de um homem"(Ap 13, 18). Ora, "Vicarius Filii Dei", não é nome de um homem, mas sim um título.

Mais ainda, segundo o texto, esse homem de número 666, traz as seguintes características: "Foi lhe dado, também,  a faculdade de proferir arrogâncias e blasfêmias... Abriu, pois, a boca em blasfêmias contra Deus, para blasfemar o seu nome, o seu tabernáculo e os habitantes do céu. Foi lhe dado, também, fazer guerra aos santos e vencê-los."(Ap 13,5s).

Será que alguém, em sã consciência, teria a coragem de acusar os Papas de alguma dessas aberrações:  proferir arrogâncias, blasfemar contra Deus, contra o tabernáculo, ou contra os anjos e santos? Só uma mente doentia ou mal intencionada poderia chegar a este desatino. O Papa é exatamente uma figura oposta à Fera de número 666 descrita no Apocalípse. É o pregoeiro da paz em todo o mundo; é o dedicado servo de Deus.

Os estudiosos em exegese concluem que o 666 corresponde às letras da expressão César Nero (escrita em caracteres hebraicos, da direita para a esquerda)

 N     V     R     N            R       S    Q            

50     6    200   50           200   60  100 = 666

Caso se omita o Nun (N) final de Nero (n), dando-se a forma latina Nero ao nome, tem-se o total 666-50=616. Isto explicaria que alguns manuscritos do Apocalípse tenham 616 em vez de 666.

Nero na verdade foi o tipo do perseguidor dos cristãos; foi o primeiro imperador romano a perseguir a Igreja desde o ano 64dC. E sua perseguição foi bárbara e cruel.

Se fugirmos das normas sóbrias e científicas, podemos concluir,  erradamente, que muitas pessoas podem ser tidas como a besta do Apocalípse. Assim por exemplo, a França teve mais de 16 reis com o nome de Luiz, em latim Ludovicus. Se fizermos a correspondência desse nome com os números, encontraremos o total de 666. Senão vejamos:

L     U    D    O    V     I    C    U    S

50    5   500         5     1   100   5  = 666

Em latim o U corresponde a V.

Então, seria o caso de se perguntar: qual o rei da França foi o 666, a besta do Apocalípse?

Da mesma forma, até mesmo a fundadora do Adventismo,  Hellen Gould White, que viveu no século passado, poderia ser a besta do Apocalípse:

   H  E  L L E N         G O U L D                  W H  I  T E

   L+L=50 +50         V+L+D=5+50+500        V+V+I=5+5+1

 Em latim o W vale como dois V.

É claro que todas essas interpretações são falsas, uma vez que os fiéis da Ásia Menor, não poderiam entendê-las.   

O Reino Milenar de Cristo (Ap 20, 1-15)

Este trecho do Apocalípse foi na antiguidade, e hoje também, entendido como se anunciasse um reino de Cristo, de paz e bonança, durante mil anos imediatamente antes dos fins do tempo, estando Satanás acorrentado. Este milênio de Cristo na terra seria inaugurado pela primeira ressurreição, reservada somente aos justos, aos quais seria dado viver em paz com Cristo. Terminado este milênio, Satanás seria solto para realizar o seu ataque final contra a Igreja, que seria a sua derrota definitiva. Então, aconteceria a segunda ressurreição para os demais homens, e o juízo final.

Esta teoria milenarista, entendida ao pé da letra, foi aceita por antigos escritores da Igreja (S. Justino?165, S. Irineu ?202, Tertuliano ?após 220, Lactâncio ? após 317... ), mas nunca foi confirmada pela Igreja.

Santo Agostinho (?430) propôs um novo modo de entender o texto, e este foi aceito pela Igreja. Santo Agostinho baseou-se em Jo 5, 25-29 para a sua interpretação. O texto diz:

"Em verdade, em verdade vos digo, aquele que ouve a minha palavra (...) passou da morte para a vida. Em verdade, em verdade vos digo, que vem a hora, e já veio, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem viverão... Não vos admireis disto, pois vem a hora em que ouvirão sua voz todos os que estão nos sepulcros. Os que praticaram o bem sairão para a ressurreição da vida; os que, porém, praticarem o mal, sairão para a ressurreição do juízo".

Nesse trecho o Senhor distingue duas ressurreições: uma, que se dá "agora" ("e já veio"), no tempo presente, quando ressoa a pregação da Boa -Nova; é espiritual, devida ao Batismo; equivale à passagem do pecado original para a vida da graça santificante. A outra é simplesmente futura e se dará no fim dos tempos, quando os corpos forem beneficiados pela vida nova agora latente nas almas.

Por conseguinte, no Apocalípse a ressurreição primeira é a passagem da morte para a vida que se dá no Batismo de cada cristão, quando este começa a viver a vida sobrenatural ou a vida do céu em meio às lutas da terra. A segunda ressurreição é, sim, a ressurreição dos corpos, que se dará quando Cristo vier em sua glória para julgar todos os homens e pôr fim definitivo à história.

Mil anos em Ap 20,1-10, designam a história da Igreja na medida em que é luta vitoriosa ("mil"é um símbolo de plenitude, de perfeição; "mil felicidades", na linguagem popular, são "todas as felicidades").

Pela redenção na Cruz, Cristo venceu o Príncipe deste mundo (cf. Jo 12, 31), tornando-o semelhante a um cão acorrentado, que muito pode latir, mas que só pode morder a quem voluntariamente se lhe chegue perto (Santo Agostinho). É justamente esta a situação do malígno na época que vai da primeira à segunda vinda de Cristo ou no decurso da história do Cristianismo; por isto os três anos e meio que simbolizam o aspecto doloroso desses séculos (já estamos no final do vigésimo século), são equivalentes a mil anos, caso queiramos deter nossa atenção sobre o aspecto feliz, transcendente ou celeste da vida do cristão que peregrina sobre a terra; a graça santificante é a semente da glória do céu.

Assim se vê como seria contrário à mentalidade do autor sagrado tomar ao pé da letra os mil anos do cap.20 e admitir um reino milenar de Cristo visível na terra.

Conclusão

Infelizmente há muitos que querem interpretar a Bíblia "a seu modo", mesmo sem conhecer os gêneros literários, as línguas antigas, a história antiga, etc, e isto tem levado multidões a caminhar longe da verdade de Deus. Até "tarô bíblico" já se apresenta na TV; isto é, interpreta-se a Bíblia  com o auxílio das cartas esotéricas do tarô... 

Por tudo isso, e para que não acontecesse essas aberrações, e a Bíblia não ficasse sujeita à interpretação subjetiva de muitos, foi que Jesus deixou o Sagrado Magistério da Igreja: Pedro e os Apóstolos, hoje o Papa e os Bispos, sucessores dos Apóstolos, para interpretarem, sem erro, o que foi revelado sem erro.

Pelo que foi dito antes você pode entender melhor agora, o que disse Santo Agostinho:

"Eu não acreditaria no Evangelho, se a isto não me levasse a autoridade da Igreja." (Fund, 5, 6).

 Não é fácil muitas vezes interpretar a Bíblia; é claro que há passagens que devem ser lidas ao pé da letra, como a que diz: "Isto é o meu corpo que é dado por vós", mas muitos versículos são difíceis. O próprio S. Pedro recriminava os não preparados que, já no seu tempo queriam interpretar as Escrituras a seu bel prazer. É o que Pedro fala quando se refere às Cartas de S. Paulo, que já naquele tempo eram consideradas partes da Escritura:

" ... como também vosso irmão Paulo vos escreveu, segundo o dom de sabedoria que lhe foi dado. É o que ele faz em todas as suas cartas... Nelas há algumas passagens difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou pouco fortalecidos deturpam, para a sua própria ruína, como o fazem também com as demais Escrituras. " (2Pe 3,15-16)

Este ensinamento tão claro de S. Pedro mostra-nos que é uma temeridade cada um de nós interpretar a Bíblia a seu bel prazer, sem obedecer ao Sagrado   Magistério da Igreja, a garantia que Jesus nos deixou. Se, para o próprio S. Pedro, que vivia ao lado de Paulo, que conhecia o Hebraico, as Escrituras apresentavam "passagens difíceis de entender", ora, imagine então para nós, que estamos a 2000 anos dos Apóstolos ! (...) Por isso, é preciso prudência e obediência àquilo que a Igreja ensina. Não sejamos "iluminados" mais do que a Igreja é; nenhum dos santos foram assim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário