“O amor de Cristo nos
constrange!” (2 Cor 4, 7). É esse amor que nos faz ficar de pé e reconhecermos
que nossa meta é o céu. Assim, somos chamados a entregarmos livremente a vida
no serviço aos irmãos, amando o Senhor em cada um. Isso não se dá por uma
teoria, mas de forma muito concreta. Precisamos caminhar na via das virtudes
extraindo força para vencermos o homem velho com seu egoísmo e individualismo.
Só então é possível ser para os outros, testemunha feliz da nossa frutífera
comunhão com Deus. A vida nova é dom de Deus e exige a nossa adesão, cultivo e
perseverança. “Para exaltá-lo redobrai as forças e não vos canseis, pois não
chegareis ao fim” (Eclo 43, 30).
Na vida cristã existe o aspecto
da luta interior tão comum aos místicos, aos que querem fugir das ocasiões para
praticar o mal e o pecado. A luta é necessária e pode trazer benefícios como
diz Amedeo Cencini: “A luta religiosa, no entanto, é caracterizada pelo
encontro e pelo confronto com Deus. (…) é luta sadia em relação ao
desenvolvimento do homem, porque ninguém pode pedir ao homem aquilo que Deus
lhe pede, ou seja, o máximo, a fim de que seja plenamente aquilo que é chamado
a ser; é luta salutar entre as exigências de um Deus que primeiro dá tudo o que
pede depois, e o medo do homem que hesita em se confiar, ou entre o amor
gratuito de Deus e a pretensão ilusória do homem de merecer o amor; luta
benéfica de quem é, de alguma forma, confrontado com a obstinada benevolência
divina, com aquele Deus que fere e depois cura” (1).
Muitas das vezes as nossas
constatações interiores fazem-nos sofrer, sem dúvidas, porque o processo do
autoconhecimento não é fácil assim. O primeiro passo de cura é sempre o
reconhecer e assumir termos tal fragilidade e começarmos um processo de cura,
reconciliação e nova maneira de interpretarmos a situação. Tudo isso deve ser
feito à luz da graça de Deus.
Dentro da sinagoga com Jesus e os
presentes, imagino que tenha sido muito difícil para o homem da mão seca ir até
o meio da sala diante de todos, após ser chamado por Jesus. O homem arriscou
toda confiança em Jesus, atendendo o seu convite e expondo sua mão deficiente
para ser curada. Ele correu o risco de ser ridicularizado, de ser um fracasso e
assim vir a perder a fé como única segurança que tinha na sua vida. O homem da
mão seca foi curado e uma nova vida começou naquele dia. Nada nesta vida
pode ser vivido sem risco! O amor é exigente! Como disse de maneira tão
profunda o Papa João Paulo II: “O amor torna fecunda a dor e a dor aprofunda o
amor. Quem ama de verdade não recua diante da perspectiva de sofrimento: aceita
a comunhão na dor com a pessoa amada” (2). Isso acontece com Deus, com os
irmãos, com os amigos e com os homens.
Reconhecer-se como dom de Deus
para os que nos querem bem, para os amigos, para os irmãos e para aqueles que,
de certa forma, Deus quer que os sirvamos através da nossa vida e daquilo que
nos foi confiado, é uma necessidade que exige confiança primeiramente em nós
mesmos, pois Deus está conosco. Uma coisa é certa: as graças nas nossas vidas
são sempre maiores que todos os desafios, como diz São Paulo: “Onde abundou o
pecado, superabundou a graça” (Rm 5, 20). Reconhecer-se um dom é vital e
indispensável para a vida. Quantas pessoas sofrem o definhamento das virtudes e
da prática do bem, acabrunhados e tristes, porque foram feridos na autoestima,
naquela certeza de que somos amados e que podemos amar, não obstantes nossas
fraquezas.
Temos nossas fragilidades, limites,
quedas e aspectos que precisam crescer, no entanto, não somos somente mazelas;
Deus nos livre da tentação de pensar assim. Somos um dom maravilhoso que saiu
do coração de Deus! Às vezes o erro nos deixa tristes porque nos vemos
despidos, descobertos nas nossas fragilidades e limitações e, por tantas vezes
não vivê-las em Deus, acabamos projetando nossas fraquezas nos outros. O amor
de Deus é misericórdia, é justiça, é consolo, é plenitude. Somos capazes de
amar gratuitamente, fazer o bem e servir aos outros.
Quando nos encontrarmos
desanimados façamos memória e renovemos o amor de Deus nas nossas vidas. O Seu
amor nos constrange sempre porque é sempre uma grande novidade. Este amor nos é
primeiramente renovado mediante à Sua Palavra de Salvação. Tão belas são as
palavras do profeta Jeremias: “Ao encontrar tuas palavras, eu as devorava. Tua
palavra tornou-se meu gozo, e alegria para o meu coração. Teu nome foi
proclamado sobre mim” (Jr 15, 16). Mais na frente um outro expresso exatamente
o que acontece conosco quando estamos feridos, cansados ou mesmo na tentação de
desistir da luta: “Quando eu digo, Senhor, não quero mais tocar no assunto, não
falarei mais no seu nome, então a tua Palavra se transforma num fogo que me
devora por dentro, não consigo contê-lo, sou inflamado e renovado” (Jr 20, 9).
Confiemos-nos diariamente à
Virgem Maria, Mãe e Mestra do Amor. Nossa Senhora é o caminho mais seguro até o
coração de Cristo, pois ela, mais do que ninguém, soube viver tão fecundamente
suas alegrias e suas dores sem perder a esperança. Ela é também a Mulher da
Palavra, pois guardou em seu coração todos os desígnios do Senhor. Toda a sua
vida foi uma oferta de amor, doação, saída de si mesmo para servir aos outros.
Ensina-nos, Mãezinha, a vivermos nesta certeza existencial de que somos amados
e podemos amar.
Notas do Texto:
1- Amedeo Cencini. Quando Deus
chama, p. 28-29, São Paulo, Paulinas, 2004.
2- Sua Santidade, Papa João Paulo II. Homilia por ocasião da canonização de Edith Stein, outubro de 1998.
2- Sua Santidade, Papa João Paulo II. Homilia por ocasião da canonização de Edith Stein, outubro de 1998.
Antonio Marcos
Consagrado na Comunidade de Vida Shalom
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